(Artigo publicado em 1986)
Qual é a vantagem ou desvantagem de se aprovar o voto secreto nas matérias do Congresso Nacional? O Brasil vai melhorar? O Congresso ficará mais ético? Vai acabar a bandalheira da venda de votos?
Não.
Nada mudará, pois a ética se estabelece no espírito e não nos textos de lei. Não adianta escrever. Sempre digo: se você quer um código de ética, não está mais falando de ética, mas de um código comum. Ética é sentimento, a sensação de que algo está errado.
No ônibus, você está sentado, olha para a anciã à frente e lhe dá o lugar. Não precisa qualquer regra escrita na parede do ônibus. Você simplesmente se levanta e cede o lugar. Há uma carteira no chão do banheiro de um shopping. Você a leva à administração. Não fica pensando nos prós e nos contras. Está na sua cabeça.
Por isso, não se alterará a vida nacional com o fim do voto secreto. Quem vende o voto, vende-o declaradamente, secretamente, por escrito, por telefone, em reuniões de restaurantes chiques de Brasília, nos aeroportos, em estacionamentos da Câmara e do Senado.
Um Congresso contaminado por corrupção, sob uma revoada de sanguessugas, de mensaleiros, de criminosos de gravata. E, pior, não é o Congresso! Você olha para o interior do país, as Assembléias, alguns Tribunais, Prefeituras, políticos de todos os níveis. É uma podridão só. Então, comemorar o que mesmo?
Se o voto fosse honesto, não haveria qualquer importância se fosse secreto ou aberto. Sendo o voto que é, para o país é irrelevante. A demonstração de que tudo continua como dantes no quartel de abrantes é a tentativa de manter o voto secreto nas votações para eleger a Mesa e em votações de matérias de interesse do governo.
Ou seja, nas votações em que mais se fazem transações e negociatas. Só de olhar a cara de Renan Calheiros e Aldo Rebelo, Presidentes do Senado e da Câmara, tentando explicar o golpe dado no povo brasileiro com aumento dos vencimentos do Poder Judiciário e do Ministério Público, na calada da noite, sem público, ou seja, defendendo causa própria já que o Legislativo logo virá atrás de aumento igual, já sei que o Brasil não mudará.
Esses são os homens com que contamos e, portanto, o saque é inevitável.
Outro indício de que nossa índole é inafastavelmente má é a quase certeza de que o povo quer reconduzir Lula, dizendo com isso que todos somos espertos, que não é pecado se aproveitar do erário, que uma falcatrua aqui, uma rapina ali, tudo é perdoável. O dinheiro público “é do Tesouro”, não é meu. Não me sinto responsável por nada que não seja a grama do meu quintal.
Tudo o que aconteceu no Brasil e Lula “não viu” foi perdoado pelo inconsciente coletivo, pelo vulgo. Certo dia, afirmei que um terço do Congresso rapinava, o outro terço queria rapinar e um terço se fingia de santo ou de morto. Ou seja, ninguém escapava por ali.
Hoje está praticamente confirmado, com uma diferença que não previ em meus cálculos: o terço fingidor resolveu que não vale a pena ser honesto e, mais cedo ou mais tarde, meterá a mão na massa também. Salve-se a viúva, se puder.
Aí, voltando à vaca fria, o que temos? O voto será aberto? Pois agora será muito mais caro, muito mais franco, muito mais ousado. E, lamentavelmente, o povo ainda não sabe – provavelmente, jamais saberá – que esse voto que está sendo vendido é dele, é meu, é seu. Para isso mandamos os safados para lá.
O bom dessa reflexão é que esta semana, particularmente, esta semana, estou lavando a alma com o programa eleitoral. Vejo e ouço os candidatos, um a um e sempre que faço a pergunta “por que devo votar nesse ou naquela cara?” a resposta é cada vez mais clara, segura. O fato é que não devo votar em ninguém, não devo mandar ninguém para lá, nenhuma razão existe para eu gastar meu tempo.
Todos querem uma coisa só: ir para Brasília usar e abusar do meu dinheiro, do meu voto, do meu tempo, da minha paciência. Então, olvido neles.
Lembra-se daquela continha matemática que não quer calar? Quanto vai gastar o ilustre candidato para se eleger? 500 mil, 1 milhão? Seja quanto for, seus vencimentos não pagam o custo. Então, ganha um doce quem disser como ele vai recuperar o investimento ou pagar suas contas de campanha…
O voto aberto vai melhorar o Brasil? Vai melhorar o Congresso? Vai dar um banho de ética no Planalto? Não, não e não. É a famosa troca de seis por meia dúzia.
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